O Globo e a manipulação nossa de cada dia

  

Afirmar que o sistema Globo faz um jornalismo alheio a qualquer compromisso com a ética e com a isenção é chover no molhado. O jornal O Globo então, na prática funciona hoje com a lógica de um panfleto. O que muda de um dia para o outro no jornal da família Marinho é apenas que a manipulação muitas vezes ocorre não pelo que se publica mas pelo que se omite, ou seja, pode ser mais ou menos explícita. 


Mas em qualquer dia da semana que se escolha, sempre encontraremos desde a capa exemplos de manipulação, e a edição de O Globo desta quarta-feira (22), não foge à regra. A manchete diz: “Dilma mobiliza governo para se defender de ‘pedaladas’”. Logo abaixo vem um quadro com a frase; “Enquanto isso...” encimando uma grande foto de três executivos japoneses da Toshiba, fazendo contritas reverências. Abaixo da foto a chamada: “Curvados pela culpa” e logo ao lado a informação: “Por 13 segundos, executivos da Toshiba se curvam, num ritual público, para pedir perdão por ‘maquiagem’ em balanços da empresa”. O que o jornal diz implicitamente com este arranjo de matérias é que as contas do governo estão “maquiadas” e que, diferente dos executivos da Toshiba (uma gente mais avançada), Dilma não assume a responsabilidade. Com isso, o jornal quer provocar a seguinte reação dos leitores: “Que diferença, enquanto Dilma arruma desculpas para as contas erradas do governo, no Japão eles assumem tudo que fazem”.

Mídia já formou opinião, agora açula sentimentos

Pouco importa que os dois assuntos (prestação de contas do governo da 7ª economia mundial e o balanço de uma empresa) não tenham qualquer similitude que possa permitir uma comparação válida. Pouco importa também que as chamadas “pedaladas” fiscais, de que se acusa o governo, tenham sido usadas por governos anteriores - FHC por exemplo - sem nunca terem ensejado reprovação de contas pelo TCU, e que a discussão sobre a propriedade ou não do seu uso seja uma polêmica mesmo entre especialistas. A mídia já formou a opinião majoritária que atribui à Dilma todos os males do universo, agora o que importa é açular cada vez mais, não um pensamento crítico sobre os fatos, mas um sentimento negativo que possa se tornar tão forte que qualquer absurdo que ela (a mídia hegemônica) queira atribuir a Dilma e ao PT seja imediatamente aceito pois o raciocínio foi há muito tempo substituido pela raiva ou pelo ódio. Estratégia tão eficaz que na recente pesquisa CNT, entre os que defendem o impeachment, nada menos do que 26,8% dizem que o fazem por conta das “pedaladas”.

As pedaladas em um bar do Valqueire

Isso significa que se a encantadora leitora destas Notas Vermelhas, por uma benção da vida, tivesse a sorte de estar uma tarde destas batendo perna pelo aprazível bairro de Vila Valqueire (flor e orgulho da zona oeste do Rio de Janeiro) e entrasse em um dos inúmeros botecos da região, iria se surpreender ao assistir uma discussão acalorada entre os frequentadores, não sobre o Vasco da Gama ou sobre o Pan Americano, mas sobre as famosas “pedaladas”. Argumentaria Paulo da Costa, também conhecido nas redondezas como “Anão Valente”: “Estas manobras fiscais ferem claramente a Lei de Responsabilidade Fiscal” no que redarguiria Afonso de Souza ( “Mula Manca” para os íntimos): “Mas veja, caro Anão Valente, você há de concordar que essas manobras não passam de atrasos de pagamento, comuns tanto a nível federal quanto estadual e municipal, embora eu deva admitir que a jurisprudência baseada em pareceres anteriores..." E por aí iria uma animada discussão em um boteco de Vila Valqueire pois, segundo a pesquisa CNT, se no botequim estivessem oito pessoas, no mínimo duas delas teriam uma boa noção do assunto para, com base nisso, formular uma opinião política sobre ele.

No mundo real

Ou isso é irreal? Ou, na verdade, se surgisse uma discussão sobre “pedalada fiscal” em um bar qualquer (ou em uma feira, ou em um salão de cabelereiro) dificilmente alguém dominaria o assunto a ponto de ter uma opinião formada com base em uma conclusão independente? Todos devem concordar que a última hipótese é a mais provável, mas pela pesquisa da CNT mais de 42 milhões de brasileiros acima de 15 anos dominam o assunto "pedalada fiscal" e o usariam como argumento para defender o afastamento da presidenta. É evidente que isso não corresponde à realidade e o que existe de fato é um sentimento turbinado pela crise econômica, mas alimentado, manipulado e direcionado pela mídia hegemônica visando atingir o objetivo político de derrotar, pelo golpe ou pelo desgaste, um governo com origem no campo popular e democrático.
 


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