Psol e Rede vão ao Supremo contra venda de estatal de saneamento do Rio

Por Sérgio Rodas - no CONJUR - 27/03/2017

A venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro para pagar salários de servidores viola a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000). Isso porque essas normas proíbem que entes da federação tomem empréstimos para arcar com despesas com funcionários.
Para Psol e Rede, governo de Pezão acelerou a venda da Cedae sem ouvir a opinião de cidades do Rio de Janeiro.
Agência Brasil
Com esse fundamento, o Psol e a Rede Sustentabilidade moveram, nesta segunda-feira (27/3), ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 7.529/2017. A norma autorizou o governo do Rio a privatizar a Cedae e, enquanto isso não é feito, a tomar empréstimo de até R$ 3,5 bilhões e dar as ações da empresa como garantia.
A privatização da Cedae foi uma exigência do governo federal para aprovar um plano de ajuda financeira ao estado do Rio de Janeiro, que vem passando por uma severa crise econômica.
Na petição, assinada pelos advogados Cláudio Souza Neto, Beatriz Veríssimo de Sena e Guilherme Chamum Aguiar, o Psol e a Rede argumentam que a lei estadual possui inconstitucionalidade material e formal. Aquele vício, segundo as legendas, está no fato de o governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) afirmar que tomará empréstimos para fazer um ajuste fiscal no Rio, mas, na verdade, destinar o dinheiro para o pagamento de pessoal, como deixa claro o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 7.529/2017. Isso é desvio de finalidade, afirmam Psol e Rede, e contraria o artigo 167, III e X, da Constituição, e o artigo 44 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vedam que entes federativos tomem empréstimos para despesas com servidores.

Segundo as agremiações, a privatização da Cedae também viola o princípio da responsabilidade fiscal, já que a empresa dá lucro ao estado do Rio de Janeiro — em 2015, foram R$ 248,8 milhões. “Vender patrimônio para dar conta de despesas correntes viola gravemente o princípio da responsabilidade fiscal. Porém, vender patrimônio do qual resultam dividendos, reduzindo-se a arrecadação futura do Estado, é medida ainda mais grave. Privatizações de empresas lucrativas até podem ocorrer. Mas não sob o pretexto de equilibrar as contas públicas, sobretudo quando o propósito declarado é o de pagar despesas correntes e folha de pessoal.”
Além disso, o Psol e a Rede apontam que a venda da Cedae viola os princípios da razoabilidade e moralidade administrativa. Isso porque a privatização para pagar salários de funcionários “equivale a dilapidar o patrimônio público”, pois essas são quantias que devem ser gastas todos os meses.
Aprovação apressada
Os partidos também sustentam haver inconstitucionalidade formal na Lei 7.529/2017. Nesse ponto, repetem os argumentos apresentados pela bancada do Psol na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) em mandado de segurança impetrado junto ao Tribunal de Justiça local.
Tanto no MS quanto agora na ADI, os autores alegam que, antes de efetuar mudanças relacionadas ao saneamento básico, o governo fluminense e a Alerj deveriam ter promovido audiências públicas e ouvir a opinião da sociedade civil e de especialistas sobre o assunto. Além disso, na visão deles, os deputados estaduais não poderiam, em uma única sessão e sem debates e estudos aprofundados, autorizar a venda de empresa estatal, sob pena de violar o interesse público.
A aprovação a toque de caixa da Lei 7.529/2017 ignorou a participação dos municípios fluminenses no processo, dizem o MS e a ADI. E mais: deixaram de ouvir a Comissão de Saneamento Ambiental da Alerj. Com tais violações à Constituição do Rio e ao Regimento Interno da assembleia, não foi respeitado o devido processo legislativo, destacou o Psol em fevereiro e agora novamente, junto com a Rede.
Como a Cedae pode ser vendida a qualquer momento — algo que seria muito difícil de ser revertido —, o Psol e a Rede pediram que o STF conceda liminar para suspender os efeitos da Lei 7.529/2017. No mérito, os partidos pedem a confirmação da liminar e que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei 7.529/2017.
Crise aguda
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles publicou, em junho de 2016, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.
Entre as razões citadas para a decisão à época estavam as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.
Supremo chegou a determinar que o governo estadual repassasse aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. A decisão foi do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.
Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Além disso, o governo do RJ está proibido de conceder novas isenções fiscais até que apresente um estudo do impacto orçamentário-financeiro de todos os incentivos tributários já concedidos.
Para voltar a conceder isenções, o governo deverá encaminhar à Justiça do Rio a relação das empresas beneficiárias dos incentivos (concedidos como créditos tributários futuros), com informações sobre os benefícios fiscais então vigentes.
Segundo o Tribunal de Contas estadual, o Rio de Janeiro deixou de arrecadar R$ 138 bilhões em ICMS entre os anos de 2008 e 2013. O documento constatou que abrir mão desse valor contribuiu para a crise financeira que o estado vive hoje.
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em plantão no recesso do tribunal, concedeu duas liminares para evitar bloqueios de R$ 193 milhões e R$ 181 milhões, respectivamente, de recursos da administração estadual, decorrentes da execução de cláusulas de contragarantias de contratos de vinculação de receitas e cessão de transferências de créditos de recursos destinados ao Rio de Janeiro para investimentos em diversas áreas.
A ministra também suspendeu a ação cível originária na qual o estado do Rio de Janeiro questiona o bloqueio de recursos pelo governo federal. A decisão foi tomada em resposta a pedido da União, que afirma haver negociações em curso para um acordo sobre o tema.
Clique aqui para ler a íntegra da petição.

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